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Foto do escritorHage Advogados Associados

Pediatria e Telemedicina

Por Maria Fernanda U. Galheigo

OAB SP 375.875


A telemedicina tem sido alvo de expectativas, vetos e opiniões ultimamente. Mas o que é, exatamente, a telemedicina? Posso considerá-la o ato de informar sintomas e pedir aconselhamento por telefone ou whatsapp (assim como faço quase sempre com meus amigos médicos?) – ou preciso considerar a telemedicina um ato complexo – como ser examinado por um robô, ver meu médico pela tela da TV, estar no hospital por teletransporte?


A ideia de futuro, de alguma forma estranha e cômica, sempre remete aos cartoons dos Jetsons, em que tudo era rápido, fácil, e imediato – e ver o médico não ficava distante disso. Por outro lado, não consigo lembrar-me qual era a mensagem que o cartoon passava- qual o tipo de problema que os Jetsons enfrentavam – mas sei que não incluíam erro de diagnóstico nas crianças! Será?


O fato é que, no Brasil, a corporação que é a verdadeira sumidade em medicina – a Sociedade Israelita Albert Einstein – já vem aperfeiçoando esse tipo de serviço há algum tempo; assim como respaldando atendimentos em que a distância é fator inafastável, como no caso de atendimento a trabalhadores offshore. Algumas (sim, algumas) prestadoras de saúde já oferecem serviços muito próximos à telemedicina (inclusive anunciam o serviço, como a Sulamérica Saúde, no Rio de Janeiro, cujo usuário pode consultar um médico pelo telefone, quando ele precisar. – E adivinhe quem é o alvo publicitário? A mãe, claro: “imagine poder conversar com um pediatra a hora que precisar?”, diz o anúncio) .


Aqui entra nosso foco de reflexão, querido médico pediatra! Conforme ouvimos dizer por aí: “o problema não é a criança, o problema é a mãe”. O que fica melhor: inibir as aflições dos pais imediatamente, à distância, e correr riscos, ou atender o pequeno paciente diante das expectativas aumentadas e pioradas pela necessidade de espera, lidando diretamente e presencialmente com os nervos dos acompanhantes?


Ainda sobre o atendimento a distância: o Conselho Federal de Medicina acreditou que poderia versar completamente sobre o tema antes que mais polêmica acontecesse, mas não conseguiu. Nada foi regulamentado pelo Novo Código de Ética Médica, e o Conselho preferiu estabelecer uma consulta pública sobre o tema ( que, ademais, ainda está acontecendo). A consulta já está “atrasada”, pois a prestadora AMIL resolveu oferecer o serviço de consultas online já neste mês de julho.


Veja: o trabalho do advogado médico é estudar processos por erro médico (e cada processo, acredite, é um caso clínico agravado por técnicas jurídicas bem ou mal aproveitadas) e, infelizmente, encontramos casos – principalmente pediátricos – em que o erro de diagnóstico levou aos mais terríveis desfechos. Eu, enquanto trabalhadora dos desfechos, penso que atender crianças é lidar com ásperas sutilezas: o fato de a criança não poder expressar-se corretamente, as expectativas – e até mentiras- dos pais, e a imaturidade do organismo infantil, que pede reavaliações constantes. Você, médico, pode salvar-se em um eventual processo judicial, com a simples anotação: “recomendei fortemente que voltassem em caso de agravamento ou mudança de sintomas. Os pais concordaram e se comprometeram a voltar sem demora” no prontuário médico. Escreva! Quando se é jovem, ainda mais fortemente, recomendamos: “não trabalhe em pronto atendimento sem especialistas”. Eu era a criança do caso, mas lembro-me de uma opinião de nosso médico de confiança: “criança, na dúvida, a gente interna!”. Eu sei, são muitas questões e pressões de todos os lados: a correria dos plantões, o excesso de pacientes, as restrições de recursos, os desmandos da diretoria, mas, se for para correr riscos, escolha correr o risco de ser advertido por uma instituição, mas nunca o risco de sofrer um processo por erro médico – acredite, o último, apesar de comum, (infelizmente), pode ser muito mais traumático. Em pediatria os ensejos mais comuns a processos com alegação de erro médico envolvem um dos fatores: erro de diagnóstico ou negligência no atendimento. O erro de diagnóstico é o mais comum, e leva às mais sérias consequências.


Se a esfera do erro de diagnóstico é inevitável presencialmente, que dirá à distância. Já pensou? Segundo um autor que nos orienta, o Professor Miguel Kfouri Neto, são “causas de erro: a) exame superficial e sumário do paciente; b) ignorância inescusável, por parte do médico, de informações elementares da ciência médica; c) não recorrer aos meios auxiliares de diagnóstico, colocados à disposição do profissional.”[1] (meios auxiliares esses que, em si, já acarretam atendimento à distância, como o laudo radiológico posterior, por exemplo)

Assim, como ficará o “telepediatra”? Este pode ser um assunto para vocês, doutores! Cabe aos médicos – e a nenhuma outra classe – versar sobre telemedicina – pois só meu amigo, do outro lado do whatsapp, vai poder dizer quais os riscos e as certezas que assume me aconselhando à distância, não é mesmo?

[1] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: RT, 2002. p .357

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