Julho, geralmente, é o mês programado para que ocorram, via de regra, os reajustes anuais aplicados pelas operadoras de saúde para contratos coletivos firmados por entidades de classe. Tais aumentos são discutidos e decorrem do consenso entre a prestadora de serviços (operadoras de saúde), a entidade de classe e a empresa administradora dos planos.
Os reajustes estabelecidos no ano corrente variaram de aproximadamente 5% (como é o caso de operadoras menos populares) até mais de 30%, perfazendo uma média entre 17 e 18%, que foi encampada pelas operadoras de mais renome em nossa região, cujos aumentos podem ser verificados no site abaixo:
http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor.
Assim, embora a ANS (agência reguladora dos sistemas de planos de saúde, vinculada ao Ministério da Saúde) tenha a função de inibir práticas abusivas e a linda missão de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, como se verifica dos últimos aumentos fixados pelas operadoras, e que se encontram veiculados no site da própria ANS, não parece ter sido levado em conta neste caso o interesse social e muito menos o art. 39, V e X do CDC (que impossibilita a elevação sem justa causa do preço do serviço).
A bem da verdade, a média dos aumentos definidos em percentuais aparenta ter sido totalmente excessiva e destoante da realidade de nosso país, cuja projeção para a taxa de inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2014 é de 6,47% segundo o Boletim Focus divulgado em 26/05/2014, enquanto a previsão da taxa de juros (Selic) para o final do ano projeta aumento de 11,25%.
São esses os patamares, aliás, utilizados para fixar o reajuste de outros vetores que movimentam a economia nacional, como o salário mínimo nacional, que em 2014 subiu 6,78%, e o reajuste das aposentadorias que teve uma melhora de somente 5,56%.
Diante desse quadro fático, surgem então algumas perguntas: Como podem os cidadãos arcar com um reajuste em seus planos de saúde quase três vezes superior ao suposto aumento de seus proventos salariais (que em regra segue o percentual utilizado pelo governo)? Como pode a população lutar contra as grandes agências administradoras e empresas de plano de saúde se não tem outra opção, frente a um sistema da saúde público sucateado? E mais, qual a função da ANS senão coibir ações desta natureza?
No mais, os reajustes exorbitantes sequer são a única prática descabida perpetrada pelos planos de saúde e menos ainda servem para deixar as mesmas e seus médicos conveniados satisfeitos com os valores percebidos, principalmente porque, infelizmente, os reajustes em questão acabam não sendo repassados aos profissionais da área médica, que recebem dos planos valores insuficientes, o que, por vezes, os leva a cobrar dos pacientes (que já pagam mensalmente altos valores aos planos de saúde), taxas extras para determinados tratamentos/procedimentos.
É o que ocorre, por exemplo, com a famosa “taxa de disponibilidade médica” exigida das gestantes pelo médico que realiza o pré-natal para acompanhar o parto. Embora a ANS já tenha se pronunciado a respeito do tema, pontuando que a referida taxa é ilegal e que o consumidor não deve arcar com nenhuma cobrança dessa natureza (devendo, caso cobrado, comunicar a sua operadora para que esta tome as devidas providências, e anotar o número de protocolo dessa comunicação, encaminhando-o à própria ANS caso nenhuma medida seja tomada), a referida Agência Reguladora na realidade ainda não tomou nenhuma medida efetiva para coibir esta prática, que se tornou praxe nos consultórios de obstetrícia.
Não se pode dizer que os médicos sejam os “vilões” dessa história, uma vez que as medidas adequadas para que isso não ocorra precisam ser tomadas pelos planos de saúde que, no mínimo, deveriam utilizar os valores dos reajustes vultosos que têm cobrado para melhor remunerar os profissionais credenciados à sua rede, o que auxiliaria em muito na solução do problema. Contudo, não é de interesse das operadoras de saúde resolver esse impasse, cuja posição é das mais confortáveis, auferindo lucros elevadíssimos de todos os lados, sem ter que se preocupar com a manutenção de sua clientela (que não tem outra opção a não ser ficar escrava desse sistema, diante da ineficiência dos hospitais e médicos credenciados pela rede pública, e dos altíssimos valores cobrados em consultas e atendimentos “particulares”).
A veracidade de tais fatos é tão gritante que nos convênios por reembolso os abusos dos planos de saúde são ainda maiores, quando chegam a devolver aos consumidores valores correspondentes apenas a 10 ou 20% do montante efetivamente gasto em determinados tratamentos. Nestes casos, os Tribunais do país já se levantaram em defesa dos direitos do consumidor contratante, e têm se posicionado majoritariamente pelo direito de reembolso integral dos tratamentos efetuados.
Do mesmo modo, têm sido consideradas abusivas as cláusulas contratuais que determinam a exclusão de tratamentos caros e doenças raras ou complexas, bem como aquelas cláusulas que fixam aumentos exorbitantes nos valores dos planos quando há mudança de faixa etária (que destoem da resolução normativa nº 63 da ANS).
Portanto, mesmo que pareça difícil lutar contra essas grandes empresas, o contratante deve ter os seus direitos protegidos, e, ainda que os órgãos responsáveis pareçam estar apáticos, o Poder Judiciário tem estado sensível às más práticas das renomadas operadoras, e tem, em determinados casos, fixado até mesmo danos morais diante da negativa de tratamento quando o consumidor mais precisa.
Natalia Vidigal F. Cazerta
Commentaires