Nos últimos anos a liberdade de imprensa vem passando por diversos percalços, alguns mais virulentos e eficazes, amordaçando jornalista; outros absolutamente inócuos, só servindo mesmo para unir a classe, reforçar o princípio e a própria democracia.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner trava, há anos, uma guerra contra o grupo de comunicação Clárin, que faz forte oposição a seu governo, tendo o embate, inclusive, chegado a Corte Suprema de Justiça do país, estando a presidente, por ora, vencendo a contenda.
No Equador, a Assembléia Nacional, com a benção do presidente Rafael Correa, aprovou a criação de órgãos de fiscalização e punição de jornalistas. O “Conselho” controlará o conteúdo dos meios de comunicação relacionado à violência ou considerados discriminatórios. Já a Superintendência da Informação aplicará as punições, que vão de desculpas públicas a altas multas.
Na Venezuela, os despautérios do falecido presidente Hugo Chávez, que não renovou concessões de empresas de comunicação consideradas oposicionistas, somados aos desmandos ditatoriais do atual presidente Nicolas Maduro, que criou órgãos de censura ligados diretamente a presidência, reduziram a zero os meios de imprensa críticos ao governo.
Já no Brasil, embora o novo Ministro das Comunicações, encampando discurso de campanha da presidente Dilma Rouseff, tenha declarado que o governo vai “abrir um debate” para ouvir sugestões sobre a regulamentação econômica da mídia e “não a regulação do conteúdo”, diversos partidos da base aliada já se mostraram contrário a proposta, o que faz concluir que a idéia terá vida curta.
Os defensores da regulamentação econômica da mídia no Brasil afirmam que, com a criação de agências reguladoras do setor, acabar-se-ia a concentração de empresas de mídia nas mãos de poucos conglomerados de comunicação, o que, por sua vez, asseguraria uma maior multiplicidade de vozes na imprensa.
Até mesmo o advogado especial da ONU para liberdade de expressão, David Kave, se declarou favorável a uma proposta de regulamentação da mídia no Brasil, desde que “favoreça a competição entre as empresas para que haja uma constante competição por leitores”, ressaltando, entretanto, que ante o histórico de censura prévia na América Latina é indispensável um debate profundo sobre o tema.
Por certo que, para a democracia brasileira, é sempre melhor o debate a inércia.
Mas, sem se fazer qualquer paralelo com as ações governamentais acima citadas, no último dia 07, o mundo assistiu atônito ao maior golpe da história contemporânea à liberdade de imprensa.
Dois homens fortemente armados invadiram a sede da revista francesa Charlie Hebdo, em Paris, matando 12 pessoas, das quais 8 eram jornalistas, entre eles, os chargistas Charb, Wolinski, Cabu e Tignous, reconhecidos mundialmente pelo trabalho irreverente e, sobretudo, corajoso.
De pronto, o presidente francês, François Hollande, já classificou o ataque a revista como terrorista, vez que, segundo informações iniciais (que depois se confirmaram) os assassinos, enquanto executavam as vitimas, bradavam que estavam vingando o profeta Maomé.
A revista Charlie Hebdo já publicou ilustrações satíricas sobre líderes muçulmanos, tendo sido, aliás, ameaçada, no final de 2012, por ridicularizar o profeta Maomé, mostrando-o nu em alguns cartuns, o que inflamou ânimos de muçulmanos que se sentiram ultrajados.
Mesmo que se considerem ofensivas as publicações da revista, não se deve dar vazão a quaisquer argumentos que minimizem, ou mesmo justifiquem, a ação terrorista, sob pena de arrefecer o trabalho de outros jornalistas combativos.
Acreditar que os jornalistas mortos, ao satirizar o islamismo, “atiraram primeiro”, só serve para espalhar o terror, intensificar ações terroristas e atemorizar jornalistas. E jornalistas receosos são prato cheio para governos autoritários e para massificação do pensamento.
Neste momento, a defesa veemente da liberdade de imprensa se impõe a todos.
Defender o trabalho dos jornalistas mortos, independentemente da convicção que se tenha sobre as publicações da revista, é garantir que a ação terrorista não deixará seqüelas irreversíveis a própria sociedade contemporânea, vez que a liberdade de expressão é base do estado democrático de direito.
É certo ainda que os partidos de extrema-direita europeus se aproveitarão do momento de fragilidade da França para tentar fazer valer sua agenda anti-islã, esperando-se, todavia, que o cidadão comum e a própria imprensa não recrudesçam esse sentimento xenófobo, que já vinha ganhando terreno na Europa em razão da crise econômica que solapa o continente.
O ato de dois fundamentalistas jamais representa ou representará a totalidade de um grupo, que se tenha isso sempre em mente!
Dib Kfouri Neto
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