Por Maria Fernanda U. Galheigo
OAB SP 375.875
Em termos jurídicos, dizemos que o nascimento com vida torna um sujeito capaz de direitos: no sentido de herdar, ou deixar herança, por exemplo: este é um fatos determinantes nas diretrizes de sucessão de bens. Frise-se: 1) nascimento, e 2) com vida. O feto – conforme estamos condicionados a pensar – segundo a tradição, e a princípio, não tem direitos. Claro, com a evolução dos termos de proteção social esta compreensão vem mudando. É possível hoje, ao nascituro receber doação, e à grávida, pedir alimentos ao pai, por exemplo: neste sentido, existe já uma personalidade, no último caso, resultante da validação da expectativa de direitos que terá a criança, pois, afinal de contas, o Estado quer resguardar o sucesso da gestação!
Por outro lado, o que vemos atualmente é - principalmente nas classes mais abastadas - uma verdadeira espetacularização da gestação. Inundadas pelos anseios de consumo e exibicionismo, mulheres grávidas anunciam publicamente a espera e, não raro, - e especialmente as celebridades – criam perfis sociais para o bebê e uma oportunidade de benefícios financeiros sobre um ser humano que ainda está em formação. A investigação do sexo da criança, então, resulta em evento social amplamente divulgado: “o chá revelação”!
Como fica a responsabilidade de quem emitiu o laudo? Será que ele pode errar?
Há cinquenta anos, a parturiente delegava ao momento do parto “descobrir” qual seria o sexo do filho. Há dez anos, a confusão sobre a investigação do sexo do bebê não passaria de uma pequena confusão: um deslize fácil de resolver, ainda perdoável. Hoje, já é legado ao profissional que emite o laudo – tanto do exame de imagem, quanto do laboratorial- a responsabilidade financeira pelos anseios de consumo da família gestante! Afinal, quem arca com os danos de um “chá revelação”, as cores do enxoval e a decoração equivocada?
Aos obstetras, é necessário perguntar: como fica a expectativa dessa família em relação ao sucesso da gestação e do parto? Tenho visto processos judiciais por confusão/falta de diagnóstico sobre o sexo, alterações genéticas, gemelaridade. Tenho visto parturientes culparem o médico do pré natal por doenças que teriam contraído ao final da gestação, e por sua culpa exclusiva! Tenho visto danos materiais (além, claro, dos morais) serem pleiteados contra o obstetra quando o bebê (pelos mais diversos motivos) não resiste à gravidez toda, ou ao parto. Danos materiais, sim, pois dinheiro foi gasto (ou ganho) pelo (para) o bebê!
A cirurgia trouxe um percentual de sucesso muito maior ao procedimento do parto (que já não depende somente da natureza ), mas é necessário fazer a população saber que procedimentos cirúrgicos também têm seus riscos! Neste sentido, nada mudou. Enquanto advogada, observo e recomendo: compreenda os anseios, mas desencoraje o espetáculo: ele justifica seu trabalho, mas cria expectativas muito maiores do que você talvez possa suportar!
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