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DA OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Por Maria Fernanda Unterkircher Galheigo

OAB/SP 375.875 OAB/RJ 159.588


A ideia de ética é baseada em conceitos de fundamentação social. Seguindo o movimento de evolução (ou involução) social, os parâmetros éticos mudam. O que era absurdo há alguns anos atrás hoje pode ser socialmente aceito. Isso se reflete em questões profundas de direitos, como os direitos de liberdade de gênero, por exemplo, que evoluiu ao longo dos anos, ou questões de hábitos cotidianos muito simples, como permitir que seu cão durma na sua cama.

Apesar dos movimentos sociais, no entanto, democracias sugerem que cada cidadão possa agir conforme sua consciência – e a consciência de cada um é condicionada por inúmeros fatores, não necessariamente iguais. Ninguém é obrigado a pensar igual. Por isso é fundamental que os conselhos de classe da área da saúde lutem pelas escusas de consciência dos profissionais que regulamentam, para que possam ser, basicamente, livres para agir segundo parâmetros de suas convicções.


Por outro lado, quem nunca teve um cliente “chato”, “encrenqueiro”, “exigente demais”? Pois bem: em relação ao atendimento clínico/ tratamento o profissional da área da saúde pode, em geral, recusar-se a atender determinado caso. Claro: aqui os cuidados na comunicação e registros são fundamentais.

Ao médico, ao dentista e ao veterinário, os Códigos de Ética da profissão garantem a “objeção de consciência”: o mesmo princípio a ser alegado no “impedimento por motivos de consciência” (quando o profissional deixa de atender por questões de convicção filosófica ou religiosa, por exemplo) é o que justificará o não atendimento de um paciente específico, simplesmente, porque “ao que me parece, ele vai criar problemas”. O código médico excetua, entretanto, os casos em que a recusa importar risco para a saúde do paciente (tenha em mente especialmente os casos de urgência ou emergência), ou quando não há outro médico que possa atendê-lo. Os veterinários são absolutamente livres para escolher seus pacientes, desde que, claro, não firam princípios morais de amparo animal. O conselho de odontologia cria, ademais, obrigação interessante: a de comunicar a objeção ao paciente por escrito e elaborar um encaminhamento para o profissional que irá atendê-lo. A obrigação imposta aos dentistas é sugestão importantíssima a todos os profissionais da saúde, pois pode mitigar questionamentos em sede de abandono de paciente e (ou) danos morais. Quanto aos fisioterapeutas, o Código de Ética não é exatamente claro, mas proíbe o profissional de abandonar o paciente durante o tratamento, “salvo por motivo relevante”. Como a “relevância do motivo” é questão subjetiva, recomendamos, claro, que a objeção de consciência seja documentada por escrito, assinada pelo paciente, e arquivada.

Relevante, também, pensar em procedimentos polêmicos como, por exemplo, o aborto. Mesmo que liberado, ou socialmente aceito em dado momento, ao médico jamais será imposta a obrigação de executar o procedimento, sem que sua consciência o permita. O veterinário, por sua vez, pode vir a sofrer com a maior polemização da “continuidade da vida animal versus vontade do proprietário”. Já vi caso em que a doutora esterilizou uma fêmea “matriz” de um criador irresponsável contra sua vontade, pois ela corria riscos extensos nos partos seguidos, e não mais teria condições de dar à luz. Fez pelo bem do animal, mas feriu o que o proprietário entendia como decisão exclusiva dele. (Neste caso a configuração de maus tratos e abuso de direito do proprietário ultrapassam suas prerrogativas de posse do animal)

Logo, o profissional da saúde, ao ponderar suas convicções pessoais, deve considerar, além de seu ideário, o respeito fundamental pelas convicções alheias – mas o que é socialmente justo impera, e assim será aos olhos da Justiça.

Uma ressalva: é muito importante que a objeção não pareça “recusa injustificada em prestar serviços”, pois este ato configura, sim, ato lesivo ao consumidor. (Pode ser utilizado como argumento para pleito de indenização por danos morais). Claro, em termos práticos, abuse de ferramentas que registrem a justificativa de seus atos e o cuidado com o paciente. Via de regra, “deixe-o ir” da maneira mais satisfatória possível: com uma carta em que se registra de maneira muito respeitosa a “objeção de consciência”, histórico e encaminhamento para uso de outros profissionais, indicações, e considerável respaldo técnico, para que não possa, ademais, vir a reclamar por falta de assistência ou “abandono”.


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