Podemos dizer que o raciocínio científico entre Direito e Medicina são absolutamente diferentes!
De fato, na prática, é difícil para o advogado fazer-se entender quando tenta explicar implicações processuais para alguém que presta um serviço de resultado multifatorial – no caso, o médico.
A Medicina é uma prática baseada em evidências, dados, números que indicam as condutas mais acertadas.
O Direito, por outro lado, é uma construção teórica baseada em comportamentos socialmente aceitos: o Direito é linear - o “que é certo, é certo”, e de acordo com a Lei.
A Medicina considera todos os outros fatores capazes de colaborar para um caso clínico. Muitas vezes, o médico oferece o melhor trabalho na persecução da cura do paciente, mas, outras questões – muitas vezes, por culpa do próprio paciente e/ou de terceiros, ou por iatrogenia, por exemplo – o melhor resultado não é alcançado.
Comum, por exemplo, o médico solicitar ao paciente que retorne em caso de piora ou apresentação de sintomas X, Y, Z, e ele não o faz. Só retorna quando houve agravamento irreversível, e, muitas vezes, quando já houve dano. Aí, então, insatisfeito com a situação, o paciente alega “erro médico”, e quer processar o doutor. “Ele precisa entender que eu a culpa não foi minha!”- você pensa. A questão é: será que o juiz faz o mesmo raciocínio de conduta que você, médico?
Pois é: já que estou intermediando esta relação, posso dizer que não.
O juiz, a princípio, (friso), é um técnico. Não age por opinião. Ele irá se servir, basicamente, do conjunto das provas – dentre elas, da palavra do perito judicial. O perito funcionará como uma espécie de tradutor, trazendo ao juiz a linguagem da medicina. Por isso, ouso dizer que, muitas vezes, o perito é o profissional-chave para que boa justiça se faça nesse tipo de processo.
Nós, do Direito, dizemos que para que haja obrigação de indenizar deve existir: (a) o dano, (b) a conduta (no mínimo, culposa) e (c) o nexo de causalidade. Sem nexo não há como culpar a conduta do médico.
Vejamos na prática: um senhor da cidade de Tietê (SP) procurou ser indenizado por ter sofrido dores abdominais intensas pós cirurgia, e ter desenvolvida uma hérnia -, segundo ele, por conduta negligente da equipe hospitalar (que deveria ter feito mais exames e previsto o problema).
O pedido foi indeferido pelo Tribunal, com os argumentos da perícia: “As dores verificadas, como atesta o laudo pericial, não representavam quadro preocupante, à primeira vista, pois poderiam ser provocadas por diversos motivos, geralmente de rotina” (...) “Elucida, ainda, (...) que a investigação sobre as causas da dor dá-se, inicialmente, pela avaliação clínica e pelo simples exame físico, providencias estas adotadas pelos responsáveis. Apenas na persistência do quadro é reavaliado com exames de imagem (...) Igualmente, o nexo causal entre erro e a hérnia também não foi provado. A hérnia umbilical se deu pela perda dos pontos, mas não foi possível atestar erro no procedimento que causou tal perda, sendo mais provável que a simples rejeição ou mesmo o esforço indevido tenha provocado o dano”(TJSP. Apelação 1000152-65.2015.8.26.0629. 6ª. Cam Dir. Privado.Julgado em 01/08/2019)
Neste caso, o paciente “perdeu a ação”, tendo sido condenado pelas custas do processo e honorários de advogado, pois não foi possível provar o nexo entre o dano e a conduta da equipe médica.
Concluindo, então: o que preciso, eu, médico, ter sempre em mente, se não posso controlar todos os fatores do caso clínico?
Claro, a vivência e experiência profissional contam muito na decisão pela melhor conduta, mas agir com cautela é fundamental: peça exames, e os analise com calma antes de registrar o prontuário. Ao efetuar os registros (anote tudo de forma detalhada e – por favor - legível) reveja os passos do atendimento e verifique se cumpriu os protocolos. Comunique-se, sempre, da melhor maneira possível com o paciente e/ou quem esteja responsável por ele. Registre suas recomendações e qualquer resistência do paciente. Seja proativo e solícito ao máximo possível, e sirva-se de testemunhas: discuta o caso com os mais experientes, comunique-se com a chefia e com a equipe de enfermagem.
Sabemos que é difícil, - que muitas vezes as condições de trabalho demandam pressa e geram estresse -, mas haja no sentido de resguardar-se, sempre.
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